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sepp por sepp

Frans Krajcberg from Diadorim Ideias & Comunicação on Vimeo.

"Em minha obra, quero mostrar as pessoas, a terra e as coisas simplesmente como se apresentam, analisá-las pelos modelos que encontro e não através da minha mente...- como diz meu amigo Krajcberg - 'a imaginação humana é infinitamente mais pobre do que a pródiga criatividade da natureza (Deus)'...


A fotografia é um importante auxiliar da minha visão e memória. A máquina enxerga com um olho só, a minha visão é binocular, o que resulta numa interpretação dupla. O que se vê no meu quadro, portanto, é essencialmente uma dupla imagem, uma realidade duas vezes interpretada, duas vezes filtrada, duas vezes focalizada e iluminada. Não há risco de engano. É uma pintura de verdade. O que eu pinto não é fantasia. ... Essa minha compulsão inexplicável de pintar está hoje intimamente ligada ao mundo em que vivo há quase 30 anos, a essa Amazônia imensa, a este Brasil que amo mais do que a própria terra onde nasci. Esta é a minha ambição : Quero ser, humildemente, um repórter deste Brasil, como foram Frans Post, Debret, Rugendas. Tenho um compromisso com o Brasil".

Sepp Baendereck
BAENDERECK, Sepp. In : Novas Notícias do Brasil : catálogo. São Paulo, 1977.


biografia

De ascendência austríaca, Sepp Baendereck nasceu 1920 em Hodzog (Voivodine) na antiga Iugoslávia, atual Sérvia. Seu pai, Peter, era comerciante de tintas e seu avô, Joseph, tinha um depósito de sal da Romênia. Descendente de colonos austríacos que vieram ocupar as ricas terras das planícies ao sul da Hungria, liberadas com a expulsão dos turcos pelos Habsburgos, ali se encontrava uma heterogeneidade de línguas. Desde criança, Sepp fala o alemão, o húngaro, o sérvio e aprende a ler e escrever em 3 alfabetos: o latino, o gótico e o cirílico. Adora desenhar cavalos nos quadros negros da escola maternal. Aos 11 anos, deixa a casa


para estudar num colégio religioso em Sombor. As punições são severas: braços cruzados sobre a mesa, 15 a 20 golpes de chicote no traseiro, palmatória. No ano seguinte, é expulso. Em 1939, estuda Direito na Universidade de Belgrado mas o curso é interrompido devido à invasão nazista em seu país, em 1941. Serve sucessivamente no exército iugoslavo e no alemão, onde é incorporado à Wermacht como tradutor. Desmobilizado em 1942, muda-se para Berlim, onde cursa a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. Em 1944, devido aos bombardeios sobre a cidade, viaja a Zagreb, capital da Croácia, onde estuda pintura na Escola de Belas Artes com o professor Becic. Interessa-se pela arte moderna, Van Gogh, Cézanne, Léger e os expressionistas alemães, considerados artistas degenerados pelos nazistas. Novamente convocado pelo exército alemão, Sepp deserta e foge para a Áustria onde sua mãe estava refugiada. Seu pai, avós e tios morrem em campos de concentração dos partisans de Tito. Após a guerra, vai para Graz onde incorpora-se ao Grupo Sezession, composto de antigos militantes anti-fascistas e jovens da vanguarda militante. Participa da primeira exposição do grupo, vende dois quadros e o Museu Albertina de Viena faz a aquisição de um de seus desenhos. Ensina desenho na Escola de Artes e Ofícios de Graz.

Em 1948, desembarca na Ilha das Flores, Rio de Janeiro, onde se reencontra com Axl Leskoschek, gravurista e colega da Sezession, professor de Fayga Ostrower e Renina Katz. Faz amizade com Henrique Boese, Santa Rosa, Portinari e Djanira e começa a trabalhar em uma empresa de publicidade. Inicialmente influenciado pelo Expressionismo, sua pintura sofre a influência da luz tropical e começa a se transformar. Abre um ateliê de desenhos publicitários que, em 1957, se transforma na Denison Propaganda. Transfere a agência para São Paulo, instalando-se na cidade em 1959.

Movido por uma autocrítica angustiante, não expõe nem participa do ambiente artístico. Seu entusiasmo por Teilhard de Chardin, pela filosofia Zen e pelo Oriente místico fazem com que o artista retorne às telas onde começam a surgir símbolos e signos, a cruz latina, o omega grego, o ankh egípcio. É o tempo da subjetividade difusa, confrontada à dureza da realidade exterior. Interessa-se pela arte japonesa. Realiza uma série de exposições individuais, participa de salões e bienais. Enfrenta nova grave crise existencial e artística. Expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo e apresenta uma retrospectiva com 140 telas no Museu de Arte Moderna do Rio. Inspirado em um livro de Maureen Bisilliat, interessa-se pelas coisas e gentes do Brasil. Inicia uma série de obras sobre indígenas, caboclos, suas magias e superstições. Expõe em individual na Galeria L'Oeil de Boeuf em Paris e participa da XIII Bienal de São Paulo.

Viaja para a Amazônia pela primeira vez em 1974, e em 1976 conhece os rios Araguaia e Tocantins e a Transamazônica. Fotografa a região. Em 1978, em companhia de Frans Krajcberg (1921-2017) e do crítico Pierre Restany (1930-2003), percorre os rios Purus, Solimões e Negro. Dessa experiência surge o Manifesto do Rio Negro do Naturalismo Integral. O texto foi publicado pela primeira vez na revista Senhor e apresentado na Galeria Múltipla no Rio de Janeiro, sendo muito mal recebido ali, assim como em Curitiba e Brasília. No ano seguinte, apresentam o Manifesto com grande sucesso, no Beaubourg (Centre Georges Pompidou), em Paris, para uma casa lotada de artistas e intelectuais. Apresentações subsequentes foram realizadas em Milão, Veneza, Casablanca, Austrália, Tóquio, Nova Iorque.

Na década de 1980, Sepp faz novas expedições ao norte do Mato Grosso, entre os rios Juruena e Aripuanã, onde documenta e fotografa a progressiva destruição da selva amazônica. Sepp expõe no Teatro Amazonas em Manaus em 85, doando as obras vendidas para o Projeto Peixe-Boi do INPA para ajudar na construção do Centro de Pesquisas de Mamíferos Aquáticos da Amazônia.

A exposição que se segue, na Galeria Paulo Figueiredo em 86, é denominada Natureza Morta. Seus desenhos em grafite das florestas queimadas são representadas em grandes superfícies, em papel. Dantesca, Holocáustica, Catastrófica, Apocalíptica, Escatológica, Profética são os nomes destes desenhos. No catálogo da exposição, Sepp escreve:
"A natureza morta que os flamengos pintavam era composta por flores, aves, peixes, animais, objetos que os cercavam em suas casas. Hoje, assistimos realmente à morte da natureza. Agora temos verdadeiras Naturezas Mortas".