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o naturalismo integral

Naturalismo Integral from lauper films on Vimeo.

sobre o manifesto do naturalismo integral

Informando o posicionamento crítico da arte em relação a si mesma, marca do nosso tempo, o Naturalismo Integral oferece uma opinião alternativa. Pela higiene da percepção e reestruturação global da sensibilidade, o Naturalismo Integral responde às grandes questões de hoje, ao significado da arte. A natureza necessita de arte para sensibilizar o homem, para revitalizar sua afetividade, renovar seus estímulos emocionais. Diante da conceitualização do empreendimento artístico, o Naturalismo Integral propõe uma alternativa de ordem ética. Através da antropologia, a arte retorna à moral.


Foi em 1913, com os ready-made de Marcel Duchamp, que a arte orientou-se inteiramente para a moral, a estética para a ética. Um objeto industrial de série é batizado como arte, pelo artista que o declara como tal. Qual o poder de conferir tal investidura a um objeto padrão, elemento anônimo da produção de massa? Em nome de que podemos assumir esse batismo artístico do objeto, senão o da responsabilidade fundamental do artista por meio de cada um de seus gestos, ao nível da sensibilidade global? É ao assumir o destino moral do artista, que o criador justifica sua criação e que poderes lhe são vinculados. É na medida em que Marcel Duchamp assume plenamente sua vocação de artista que a revolução do olhar pode se desencadear. E o mundo de Duchamp é aquele do apogeu da Primeira Revolução industrial. o mundo da cidade, da rua, da fábrica e da produção em série, da publicidade e do advento das mass media.

Após os ready-made de Duchamp, foi preciso esperar quarenta anos para que sua mensagem fosse recuperada, ao nível da sensibilidade global. Os Novos Realistas assumem a aventura do objeto em nome de uma consciência generalizada da natureza moderna: a cidade, a rua, a fábrica, a publicidade concebidas como elementos constitutivos de um todo autônomo, de um dado imediato da consciência da natureza moderna. Em 1960, Martial Raysse fala da higiene da visão.

Os Novos Realistas aplicaram a esta natureza moderna os conceitos e os métodos do naturalismo integral: disciplina da sensibilidade na revolução do olhar, disponibilidade para uma visão outra, respeito pela natureza na condição de estrutura harmônica autônoma dentro de seu sistema de interdependências e catalisador da percepção. É porque eles se comportaram como naturalistas integrais com relação à sociedade de consumo que os Novos Realistas adotaram, desde o início, nas suas diferentes linguagens objetivas, posições extremistas essenciais e gerais. Yves Klein se apropria da energia cósmica em livre circulação no espaço, por meio da Monocromia e do Vazio, as zonas de sensibilidade “imateriais”: a presença na ausência. Obra de perfeito integrista naturalista. O motor da linguagem é a comunicação, comunicação é energia. Aquele que é mestre da energia é mestre da linguagem, esta é a lei fundamental da natureza. César, após uma brilhante carreira de “soldador”, dá um salto e assume a responsabilidade da compressão do metal, através de suas famosas, doravante históricas, compressões de automóveis de 1960. Essas carcaças de automóveis comprimidos em cubos de uma tonelada, César assumiu-as como tais porque considerou-as belas e porque ele as considerou belas, fez delas esculturas.

O processo de apropriação do real ligado ao sentido de natureza é o sintoma mais tangível da mutação antropológica iminente que afetará radicalmente nossos modos de ver, de pensar e de sentir. Todos os Novos Realistas basearam suas linguagens num gesto de apropriação direta e primária: a acumulação de Arman, a animação mecânica da sucata de Tinguely, as décollage lacereés des affijches de Hains, Dufrêne, Villeglé, Rotella, o empacotamento em Christo, o quadro-armadilha de Spoerri, o "tir" de Niki de Saint-Phalle, a natureza do supermercado ou da loja de departamentos em Raysse ou Deschamps.

Aos puros conceitos de apropriação iniciais, sucedem-se operações sintáticas de estabelecimento de linguagens correspondentes. Linguagens de qualidade dentro da quantidade: à medida em que se desenvolveram seus discursos naturalistas, os Novos Realistas foram recuperados e absorvidos pela sociedade de consumo, isto é, pela sua própria natureza. O sucesso rápido, sua evolução e suas crises de consciência são testemunhas disso. Que a natureza moderna, industrial e urbana possa, algumas vezes, possa ter se sobreposto à sua própria consciência naturalista, o que seria mais normal? Isso faz parte da força e das prerrogativas fundamentais da natureza.

O importante é que os Novos Realistas tenham se comportado como verdadeiros naturalistas, como perfeitos integristas da percepção. O epíteto “novo” colado ao termo “realista” ganha todo seu valor; os Novos Realistas assumiram entre 1955 e 1965 a consciência aguda do naturalismo tecnológico. Sua atitude perante a natureza urbana é a mesma que a de Frans Krajcberg perante à floresta amazônica. Mesma revolução do olhar, justificada pela mesma disciplina da percepção.

Os Novos Realistas europeus se diferenciam dos artistas pop nova-iorquinos precisamente em um aspecto: os Novos Realistas justificam o extremismo de sua linguagem identificando-a ao sentido de sua natureza moderna, expressão direta de uma constatação integrista, reflexo estrutural de uma consciência afetiva generalizada. A visão do Novo Realismo visa a essência da natureza moderna. Mais estetizantes, mais integrados à cultura industrial, os pop artistas de Nova Iorque foram os construtores da metáfora da sociedade de consumo. Neste sentido, eles foram realistas na plena acepção histórica do termo, e não naturalistas.

O que é normal; a arte pop nasceu nos EUA, num país que se transformou em nação a partir de seu desenvolvimento industrial, no dia em que os trilhos ferroviários uniram sem solução de continuidade a costa leste e a costa oeste dos Estados Unidos. Para o artista americano, a indústria é cultura. A arte pop se inscreve na continuidade de uma única constante da visão americana, que é justamente o realismo. Desde a época dos pioneiros, essa visão metafórica e deslumbrada do espaço ambiente não cessou de se perpetuar através dos estilos e modas: realismo romântico, realismo mágico, realismo social etc.; os artistas pop se inscrevem na continuidade dessa perspectiva, na linhagem que vai dos anônimos coloniais a Benton, Hopper, O’Keeffe, Ben Shahn. Quase uma nuance. A arte pop se desenvolveu na virada dos anos 60, em pleno apogeu da potência US, do poder da sociedade de consumo à moda americana, quando o planeta inteiro tinha os olhos fixos no modo de vida ianque: pop song, pop music, pop art, mas também estilo pop na decoração, os gadgets, o vestuário, a comida…

O apogeu da sociedade de consumo americana promoveu a arte pop à dignidade de estilo mundial. A corrente metafórica do provincialismo urbano americano tornou-se estilo realista internacional dos anos 60.

Desde 68, a sociedade de consumo perdeu seu prestígio. A América viveu mais do que uma crise moral, uma crise financeira e as manipulações do dólar são consequência disso. Essa desmitificação do modo de vida US não diminui em nada o valor funcional da arte pop, que correspondeu a um momento de consciência planetária, mas redimensiona o inteiro filão realista americano. Depois da arte pop, a tendência internacional do hiper-realismo fotográfico não foi nada mais que um fogo de palha. Hoje, os hiper-realistas resgataram seu lugar na perspectiva realista, isolacionista e provinciana da arte americana: um “sharp focus” sobre a metáfora do cartão postal. É em total reação a essa autolimitação metafórica na filosofia do olhar que Sepp BAendereck vai colher in loco, no coração da Amazônia, o material, fotográfico que servirá de base à estruturação objetiva de suas imagens.

É aí então que a noção do Naturalismo Integral intervém. Pela sua virtude de integrismo, de generalização e de extremismo da estrutura de percepção, o Naturalismo Integral se apresenta hoje como uma opção aberta, um fio condutor através do caos da arte atual. Autocrítica, desmaterialização, conceitualização, problematização da ótica filosófica materialista, tensão idealista, trajetórias subterrâneas simbolistas e ocultistas visando liberar o sentido oculto das coisas: essas confusão que não é senão aparente, irá se ordenar um dia a partir da noção de naturalismo, expressão integral da consciência planetária.

Pierre Restany
Alto Rio Negro, Manaus , São Paulo
3 a 21 agosto de 1978
in Krajcberg Mollard - Novo Manifesto do Naturalismo Integral Pag. 28

o manifesto do naturalismo integral: contexto histórico por carmen palumbo

Entre 17 de julho e 8 de agosto de 1978, Pierre Restany, Frans Krajcberg e Sepp Baendereck empreenderam uma viagem de barco que levou o grupo de viajantes a percorrer parte do Rio Negro.

Cada participante registrou a experiência de forma pessoal, contribuindo à produção de um registro polifónico. A expedição foi documentada através do registro fotográfico e dos desenhos de Sepp Baendereck, das fotografias e dos diaporâmas de Frans Krajcberg, do diário pessoal de Pierre Restany e do documentário Crónicas da viagem ao Naturalismo Integral, gravado pelo cinegrafista André Palluch e montado pelo crítico de arte Olívio Tavares de Araújo.

manifesto do naturalismo integral - volta ao mundo em 365 dias

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